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Associação dos servidores ganha recurso contra ato da ex-gestão do TRE

A associação dos servidores da justiça eleitoral do Piauí ganha recurso contra ato da ex-gestão do tribunal regional eleitoral do Piauí.

Confira aqui na íntegra a entrevista com advogado Anderson Vieira da Associação dos Servidores da Justiça Eleietoral do Piauí concedida ao Jornalista Telsirio Alencar do portal Pauta Judicial:

 No dia 30/09/2020, a Associação dos Servidores da Justiça Eleitoral do Piauí obteve importante vitória em prol dos seus associados, relativamente ao Banco de Horas dos servidores, reformando decisão tomada pelo anterior Presidente do TRE/PI. Em que consistia a referida decisão?

 No final do ano passado, por meio de decisão unipessoal (n. 2167-2019-TRE-PRESI), o então Presidente da Corte homologou parecer da Diretoria Geral e tomou várias deliberações: 1) decretou a nulidade de decisões que resultaram em reconhecimento de dívidas sobre o Banco de Horas; 2) ordenou a desconsideração de horas acumuladas em relação ao curso Desenvolvimento e Liderança; 3)  tornou sem efeito o pagamento de valores percebidos a título de juros de mora pelos servidores; 4) dispensou a devolução dos valores por quem recebeu de boa-fé; 5) declarou a prescrição e a imediata supressão das horas constantes do banco de horas que contam com mais de 5 (cinco) anos; 6) determinou a apuração e o ressarcimento ao erário pelos servidores que, de qualquer forma, interferiram para a concessão das vantagens mencionadas no parecer; 7) ordenou, para fins de cumprimento dos itens 1 a 6, um levantamento individual em relação a cada servidor e, com os números, a abertura dos respectivos processos administrativos; 8) somente após essa apuração, determinou o retorno ao Banco das horas relativas aos reconhecimentos de dívida ainda não quitados; 9) deliberou a abertura de sindicância para apurar as responsabilidades dos servidores que realizaram os atestos orçamentários que nortearam os reconhecimentos de dívida ora anulados; 10) oficiou à Advocacia-Geral da União, Receita Federal, ao TCU e ao MPF acerca dos fatos; 11) ordenou a elaboração de minuta de resolução sobre o serviço extraordinário e o labor além jornada; e 12) facultou aos servidores manifestação sobre a referida minuta, a ser apreciada pela Corte Eleitoral.

 Qual a medida adotada pela assessoria Jurídica da ASJEPI contra a decisão do ex-Presidente?

 Amparada pela Lei 9.784/99, a ASJEPI interpôs recurso administrativo, com pedido de efeito suspensivo, apresentando os seguintes fundamentos: a) inobservância da regra de competência; b) violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa; e c) violação à segurança jurídica.

Que regra de competência foi violada pela decisão recorrida?

 O ato impugnado não observou a norma de competência para o exercício da autotutela administrativa, pois, sendo ele monocrático da Presidência, atingiu decisão do Plenário da Corte. De acordo com o RITRE/PI, arts. 14, II, 15, IX, e 16, III, o Plenário é o órgão decisório máximo para a apreciação dos processos administrativos e é a instância revisora dos atos da Presidência, e não o contrário. Assim, uma decisão já tomada pelo colegiado não pode ser revista ou anulada singularmente pelo Presidente, devendo ser sempre submetida ao Plenário para eventual revisão, ainda que sob o manto da autotutela. Nada obstante, a decisão combatida, no seu item 5, expressamente revogou decisão do colegiado, relativa ao ACÓRDÃO TRE/PI Nº 1214, de 29 de maio de 2017, ao decretar, com ordem de imediata supressão do Banco de Horas, a prescrição afastada pelo citado decisum. Com efeito, o Presidente, esposando seu entendimento individual, achou por bem revogar decisão da Corte tomada pelo colegiado em 2017, a qual definiu o modo de contagem da prescrição quinquenal das horas constantes do Banco. Note-se, também, que, além de colegiada, a decisão atingida diretamente pelo ato da Presidência ainda se escora em atos igualmente colegiados, um do próprio TRE, Resolução n. 244/2012, outro do TSE, Resolução 22.901/2008, ambos atinentes à disciplina das horas extraordinárias, não sendo possível, também por esse motivo, que a Presidência singularmente anule ou revogue tal acórdão, por mais que dele discorde, porquanto se trata de decisão soberana, já tomada pela Corte, e que só pode ser revista na via administrativa pelo próprio Plenário, como se demonstrou.

 Em que consistiu a violação da decisão recorrida ao devido processo legal?

 Como foram anulados diversos atos do Tribunal, relativos às horas extras dos servidores, já pagas ou convertidas em pecúnia com dívida reconhecida pelo TRE/PI, portanto integrantes do seu patrimônio jurídico, sem que, antes, tenha sido oportunizado o contraditório e a ampla defesa, o devido processo legal não foi respeitado, embora, paradoxalmente, nos itens 7 e 8 da decisão tenha se afirmado que o contraditório e a ampla defesa precisavam ser observados, abrindo-se processos administrativos individualizados. Ocorre que, como é cursivo, no devido processo legal, a decisão não pode ser anterior ao processo. Ou seja, não se pode decidir antes mesmo de se instaurar o procedimento, para somente depois garantir um contraditório e uma ampla defesa meramente formais, fictícios, em que já se conhece a decisão. Esta deve ser tomada após a oitiva dos interessados, com a apresentação de alegações e produção de provas. Inclusive, lendo o parecer da Diretoria Geral sobre o qual se baseou a decisão ora atacada, parece ter sido orientada a prévia abertura de processos administrativos na letra "e" das suas conclusões, mas, ao despachar, a Presidência já transformou os itens a, b, c e d das recomendações em deliberações e, antes mesmo da abertura dos processos, anulou decisões tomadas anteriormente pela Presidência, as quais já haviam produzido efeitos favoráveis aos servidores, como a conversão em pecúnia, sem que estes pudessem apresentar defesa prévia. Como é por todos sabido, a Carta Magna protege de jeito imperativo o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, Art. 5º, incisos LIV e LV. Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese, em regime de repercussão geral (RE 594.296), de observância obrigatória: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”. Todavia, a despeito da clareza desses dispositivos e da extensão e alcance que toda a doutrina e a jurisprudência pátrias lhes conferem, a decisão impugnada, sob o fundamento da autotutela, fulminou atos administrativos que já haviam gerado direitos aos servidores, seja em forma de pagamento efetuado, seja com o reconhecimento das dívidas pelo TRE/PI.

Por que a decisão atacada pela ASJEPI atingiu a segurança jurídica?

Resposta n. 5:Outro princípio constitucional amplamente aplicado pela jurisprudência e pela doutrina como limitação objetiva ao exercício da autotutela é a segurança jurídica. Além do texto constitucional (art. 5°, XXXVI), vem ela expressamente prevista na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei n. 9.784/99, art. 2°), como princípio administrativo basilar. O próprio STF, órgão máximo do poder judiciário, em atenção ao mencionado princípio, sempre procura modular os efeitos das suas decisões, mesmo diante de normas inconstitucionais, cuja declaração naturalmente teria efeitos ex tunc. Assim, estando as horas extras dos servidores reguladas por Resoluções do TSE e do TRE/PI interpretadas ao longo de vários anos de uma determinada forma pela Corte Regional Eleitoral, mister aplicar novas interpretações sempre ex nunc, mantendo os atos já praticados conforme a orientação anterior, pois o foram sob a égide da orientação em vigor, estando a situação dos servidores rigorosamente dentro dos parâmetros fixados pelo próprio tribunal. Desse modo, não é justo nem recomendável que, de uma hora para outra, em virtude do posicionamento do novo Presidente ou mesmo da nova composição plenária, se altere todo o regramento adotado até então, com efeitos retroativos prejudiciais ao servidores, pois isso atinge os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, podendo gerar uma série de questionamentos administrativos e demandas judiciais. Ao mudar, com efeitos pretéritos, o entendimento expressamente firmado há anos no TRE/PI relativamente às horas extras dos servidores, a decisão recorrida deixou de atender aos referidos princípios, motivo por que deveria ser revista.

 Em vista desses argumentos apresentados pela ASJEPI, o ex-Presidente reconsiderou a decisão ao receber o recurso administrativo?

 Não. Ele manteve a decisão e, seguindo o que manda a lei do processo administrativo e o regimento interno do TRE/PI, encaminhou o recurso para análise do Plenário da Corte, tendo sido o processo distribuído para o Dr. Thiago Férrer.

E o que ocorreu em seguida?

O relator ouviu os órgãos técnicos do Tribunal e o Ministério Público Eleitoral sobre a questão. Por meio de ilustrado opinativo, o MPE se manifestou pelo provimento parcial do recurso, no sentido de que: a) fosse afastada a determinação contida no item “5” da decisão ora questionada, tornando-a sem efeito e, portanto, mantendo-se hígida a conclusão assentada no Acórdão proferido no Processo Administrativo nº 12-14.2017.6.18.0000, em todos os seus termos; e b) fossem mantidas as demais determinações (com exceção do item “5”, conforme se acentuou alhures) previstas na Decisão nº 2167/2019 da Presidência do TRE/PI, estando as providências ali encetadas condicionadas à efetiva deflagração a posteriori do contraditório e da ampla defesa (e encerramento dos decorrentes processos administrativos), desde que efetivamente comprovadas a materialidade e autoria de ilícitos administrativos. E, por meio de uma segunda manifestação, apresentada após intimação determinada pelo Relator em razão da juntada de novos documentos, o Procurador Regional Eleitoral ratificou as suas conclusões iniciais, destacando que, embora aceitável o contraditório diferido, que já teria sido assegurado na primeira decisão, o próprio Presidente anterior, no momento de executar suas determinações, reviu esse posicionamento e garantiu o contraditório prévio, de modo que estaria assim totalmente resguardado o aludido princípio constitucional. 

 O relator concedeu o efeito suspensivo requerido?

 Sim. Baseado nas razões recursais, nas informações dos órgãos técnicos e nos doutos pareceres ministeriais, o eminente Relator concedeu o efeito suspensivo almejado, a fim de suspender a execução da decisão 2167/2019 – TRE/PRESI, de 19 de Dezembro de 2019, publicada no Dje nº. 01, de 07/01/2020, proferida nos autos do Processo SEI nº 0012587-76.2018.6.18.8000, até que o Plenário do TRE/PI emitisse decisão de mérito sobre toda a matéria ora examinada. Posteriormente, em complemento à aludida decisão, proferiu nova determinação, de conteúdo cautelar, para que a Administração deste Regional se abstivesse de fazer qualquer cálculo de conversão em pecúnia de créditos horários depositados em banco de horas dos servidores, até ulterior decisão desta Corte, quando do julgamento de mérito sobre toda matéria examinada no presente feito.

 E qual foi o resultado do julgamento pelo Plenário do TRE/PI?

 Levado a julgamento em 30/09/2020, o Plenário do TRE/PI deu provimento, por votação unânime, ao recurso administrativo interposto pela Associação dos Servidores da Justiça Eleitoral do Piauí (PA Nº 0600059-31.2020.6.18.0000), para a) afastar a determinação contida no item “5” da Decisão nº 2167/2019, proferida pelo ex-Presidente da Corte sobre a prescrição das horas registradas há mais de cinco anos no Banco de Horas dos servidores, tornando-a sem efeito e, portanto, mantendo-se hígida a conclusão assentada no Acórdão proferido no Processo Administrativo nº 12-14.2017.6.18.0000, segundo o qual o prazo prescricional de cinco anos só se inicia após o período de gozo estabelecido no art. 16 da Resolução TRE/PI nº 244/2012, que também é de cinco anos; b) submeter os efeitos das determinações contidas nos "1 a 8" e “9” (destinadas a apurar se i- havia lastro orçamentário para autorizar pagamento da conversão de horas extras em pecúnia, conforme preconiza a Resolução nº 22.901/2008 (art. 11); ii- se havia embasamento jurídico necessário para autorizar a compensação de jornada em relação a curso realizado durante o fim de semana; e iii- se era justificável o pagamento de juros de mora em relação aos pagamentos realizados) à conclusão de processos administrativos individuais, assegurando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa prévios, c) revogar a medida cautelar que proibia a Administração do Tribunal de realizar qualquer cálculo de conversão em pecúnia de créditos horários depositados em banco de horas dos servidores.

Também foi determinado, a partir de voto do Desembargador Erivan José da Silva Lopes, que o TRE-PI instaure procedimento próprio para disciplinar a matéria, por meio de resolução, quanto à prescrição naquilo que foi objeto do recurso, sendo que, como exposto no acórdão, qualquer eventual modificação de entendimento quanto a este ponto deverá ser modulada com eficácia ex nunc, como pedido no recurso e na esteira do que prevê a LINDB em seu artigo 23, e que, conforme a própria decisão atacada, a nova regulamentação deve contar com a participação dos servidores.

Foto: TELSÍRIO ALENCAR/PAUTAJUDICIALJurista Anderson Vieira
Jurista Anderson Vieira

O jurista Anderson Vieira é integrante do escritório do Dr. Viana que tem os seguintes causídicos: Luiz Gonzaga Soares Viana OAB/PI n. 510/65, Luiz Gonzaga Soares Viana Filho OAB/PI n. 184-B, Arypson Silva Leite OAB/PI n° 7.922, Anderson Vieira da Costa OAB/PI n° 11.192, Paulo Victor Alves Maneco OAB/PI n° 13.867.

Fonte: REDAÇÃO

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Encerrada em 31/05/2020 11:41

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