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Dylvan Castro de Araújo (TELSIRIO ALENCAR/PAUTA JUDICIAL)
DIREITO E JUSTIÇA NA ENCRUZILHADA Direito e Justiça na Encruzilhada Autor: DYLVAN CASTRO DE ARAÚJO, Mestre em Direito e Consultor Jurídico abordará aqui nesse espaço vários temas que serão debatidos através de seus artigos, claro, recheados de Direito e Justiça na Encruzilhada de cada palavra.

Jurista discorre sobre criminalidade: "A Ascenção do Medo" é o artigo

A Ascensão do MEDO

A explosão da criminalidade no Brasil não pode ser compreendida como um evento isolado, tampouco como uma tragédia casual. Ela é, em essência, o espelho de uma crise sistêmica: a falência de políticas públicas duradouras, a omissão crônica do Estado nas periferias, a corrupção estrutural da política e a incapacidade técnica e moral de uma gestão pública que age mais por improviso do que por estratégia.

Foto: ReproduçãoJurista discorre sobre  criminalidade:
Jurista discorre sobre criminalidade: "A Ascenção do Medo" é o artigo

Na raiz desse cenário está a ausência deliberada do Estado em territórios socialmente vulneráveis. Não basta enviar policiamento ostensivo quando tudo já se deteriorou. A verdadeira presença do Estado se faz com escola, saúde, saneamento, cultura e trabalho. E onde o Estado não chega com direitos, as facções criminosas chegam com ordens. Organizadas, articuladas e muitas vezes mais eficazes que o poder público, elas oferecem ao jovem pobre aquilo que o Estado nunca entregou: pertencimento, renda, proteção e poder.

Essa proliferação das facções não é uma casualidade: é o resultado direto de um abandono institucional. Organizações criminosas como o Comando Vermelho, o PCC e milícias armadas cresceram à sombra da negligência estatal. Expandiram-se das penitenciárias para as ruas, das favelas para os centros urbanos, e hoje operam como verdadeiras corporações do crime — com braços no tráfico, na grilagem de terras, no comércio clandestino de armas, na política e até em instituições financeiras.

Nas cadeias superlotadas, sem controle efetivo e sem políticas de reintegração, as facções se tornam “universidades do crime”, aliciando, recrutando, treinando e organizando os que ali entram como réus primários e saem como soldados ou gestores do submundo. Em muitos presídios, o Estado apenas finge administrar. Quem manda é o crime.

Some-se a isso a falta de investimento em inteligência de segurança pública. O Brasil combate organizações modernas com métodos ultrapassados. Enquanto as facções operam com tecnologia, hierarquia e comunicação cifrada, o Estado atua de forma reativa, descoordenada e burocrática. Não há articulação nacional entre os órgãos de segurança, não há banco de dados integrados, não há políticas de longo prazo. A inteligência é tratada como luxo, quando deveria ser a base de qualquer ação de combate ao crime organizado.

E o que dizer da estrutura política que deveria enfrentar essa realidade, mas se mostra refém de seus próprios vícios? O Congresso Nacional patina em reformas fundamentais, engaveta propostas de modernização do código penal, de políticas de reinserção social, de controle de fronteiras e de reformas profundas no sistema prisional.
Faltam leis eficazes, faltam políticas públicas estáveis, e sobra populismo penal. 

O Executivo federal, por sua vez, alterna entre medidas simbólicas e omissões preocupantes, enquanto estados e municípios disputam verbas em vez de cooperar. Sem um pacto federativo efetivo, cada ente da federação atua por conta própria, alimentando um ciclo de ineficiência.

Além disso, é impossível ignorar a falência moral de parte da classe política, que, ao invés de combater o crime, frequentemente se associa a ele. Corrupção, clientelismo, uso indevido de emendas parlamentares e o abandono sistemático de projetos de longo prazo — tudo isso mina a credibilidade das instituições e aprofunda a sensação de impunidade.

Por fim, há um componente cultural e social que não pode ser subestimado: a banalização da violência, a naturalização da morte e a desumanização do outro. Quando a sociedade começa a tratar o crime como paisagem, e a violência como rotina, o colapso não é apenas da segurança — é da própria civilização.

A morte já não choca. O assalto já não indigna. O medo se tornou parte do cotidiano, e com ele cresce o conformismo — esse anestésico social que alimenta o status quo.

A ascensão do crime não é, portanto, um erro de percurso. É o produto amargo  de décadas de descaso, desigualdade, de escolhas políticas mal feitas, e de uma guerra que o Estado insiste em perder por inércia. Se não encararmos isso com seriedade, com reformas profundas e com um redesenho urgente da presença do Estado, o futuro será apenas a repetição cada vez mais brutal do presente.

Ou, o Brasil reconhece essa realidade com a seriedade que ela exige — e realiza reformas estruturais profundas, com investimentos robustos em educação, segurança e inteligência — ou, continuará sendo uma nação que terceiriza o poder à margem, condenando seus cidadãos a viver sob a sombra do medo, enquanto o crime, cada vez mais organizado, comanda o caos.

Dylvan Castro 
Mestre em Direito/Consultor Jurídico.

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Encerrada em 31/05/2020 11:41

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