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Dylvan Castro de Araújo (TELSIRIO ALENCAR/PAUTA JUDICIAL)
DIREITO E JUSTIÇA NA ENCRUZILHADA Direito e Justiça na Encruzilhada Autor: DYLVAN CASTRO DE ARAÚJO, Mestre em Direito e Consultor Jurídico abordará aqui nesse espaço vários temas que serão debatidos através de seus artigos, claro, recheados de Direito e Justiça na Encruzilhada de cada palavra.

Alice, 4 anos: quando a tragédia não é fatalidade

Era para ser mais um dia de aula. Mochila nas costas, fitinha no cabelo, olhos brilhando para mais um capítulo de infância. Mas Alice, com apenas quatro anos, não voltou para casa. Uma idade em que o mundo ainda é descoberto em cores, em que o perigo não existe porque, em teoria, os adultos já cuidaram de afastá-lo. 

Mas, naquele dia, dentro de sua escola, o lugar que deveria ser um abrigo seguro, um território de cuidado, a queda de um móvel não fixado interrompeu para sempre uma vida que mal havia começado.

Não é possível chamar isso de fatalidade. Fatal é o que não se pode evitar. É aquilo que escapa ao controle humano, o imponderável que nem o mais atento poderia prever. Mas um móvel pesado, instável e solto na parede, em um ambiente repleto de crianças, não é surpresa, é descuido.  E descuido, quando mata, tem nome: negligência.

É um risco previsível. É um perigo gritante que pede ação antes que o pior aconteça. E o pior aconteceu. Porque alguém ignorou. Porque alguém deixou para depois. Porque o zelo, que deveria ser prioridade absoluta quando falamos de crianças, foi substituído pelo descaso.

A morte de Alice não é uma “tragédia isolada”. É consequência direta de omissões acumuladas. É fruto de uma cultura que só se mobiliza após o luto, que trata a prevenção como luxo, e a segurança como detalhe. Mas segurança, quando se fala de crianças, não é detalhe: é fundamento.  É antecipar riscos antes que virem manchete trágica.

Cada parafuso que falta, cada inspeção que não se faz, cada alerta que é ignorado é um fio solto na rede de proteção que deveria cercar nossos pequenos. E quando esse fio arrebenta, o peso recai sobre a família que nunca mais será a mesma.

Alice não poderá crescer, aprender, brincar, sonhar. Mas o nome dela precisa ecoar como denúncia e exigência: que nenhuma outra criança precise pagar com a vida pelo que se pode evitar com cuidado, responsabilidade e amor.

A sociedade não pode aceitar explicações frias, notas oficiais ou promessas de investigação como resposta final. É preciso responsabilizar, corrigir, fiscalizar, e agir agora. Porque, enquanto se escreve e se lê esta matéria, milhares de outros móveis, fios expostos, portões frágeis e estruturas precárias seguem à espera da próxima vítima. Uma sociedade que só fecha portas e aperta parafusos depois do caixão já não pode alegar ignorância, apenas omissão.

Mas que lições podem nascer da morte de uma criança? Talvez a mais urgente seja a de que a proteção de vidas pequenas não admite economia, improviso ou espera. Cada centímetro de uma sala de aula deve ser pensado para preservar, não para ameaçar. Cada móvel, cada estrutura, cada instalação deve ser tratado como parte de um pacto inegociável com a vida.

Alice não voltará. Mas seu nome precisa se tornar símbolo de mudança. Não como memória triste que se apaga com o tempo, mas como alerta vivo que obrigue gestores, professores, técnicos e autoridades a entenderem que cuidado não é favor, é dever.

O luto pela pequena Alice é também a convocação para um compromisso coletivo: transformar indignação em ação, para que nenhuma escola seja palco de negligência, e para que nenhuma outra família precise aprender, da forma mais cruel, que descaso mata.

Se quisermos honrar Alice, que seja assim: garantindo que, nas próximas voltas para casa, todas as crianças estejam com seus laços no cabelo, seus sorrisos intactos e seus sonhos protegidos por paredes que não machucam, mas abraçam.

Dylvan Castro.

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Encerrada em 31/05/2020 11:41

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