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Dylvan Castro de Araújo (TELSIRIO ALENCAR/PAUTA JUDICIAL)
DIREITO E JUSTIÇA NA ENCRUZILHADA Direito e Justiça na Encruzilhada Autor: DYLVAN CASTRO DE ARAÚJO, Mestre em Direito e Consultor Jurídico abordará aqui nesse espaço vários temas que serão debatidos através de seus artigos, claro, recheados de Direito e Justiça na Encruzilhada de cada palavra.

A blindagem institucional do STF

A liminar de Gilmar Mendes e a tentativa judicial de blindagem institucional do STF: um movimento de autoproteção inconstitucional



A decisão liminar proferida pelo ministro Gilmar Mendes (03/12/25), suspendeu nesta quarta-feira (3/12) diversos trechos da Lei do Impeachment relativos ao afastamento de ministros da corte, ao restringir à Procuradoria-Geral da República a legitimidade para protocolar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal e ao impor quórum de dois terços para a mera instauração do processo no Senado, representa, na essência, um movimento de autoblindagem institucional sem amparo no texto constitucional. É, tecnicamente, uma das mais agressivas expansões de poder judicial já vistas no constitucionalismo brasileiro pós-1988.


Sob o pretexto de “proteger a Corte de abusos”, a liminar cria, por ato monocrático, uma engenharia jurídica que tolhe prerrogativas legislativas, esvazia competências do Senado e garante aos próprios ministros condições quase intransponíveis de imunidade funcional.

Não se trata apenas de ativismo judicial, trata-se de usurpação judicial.

1. A supressão da cidadania e a captura da legitimidade ativa pelo Estado

Ao retirar do cidadão a legitimidade para apresentar denúncias por crimes de responsabilidade, previsão expressa da Lei 1.079/1950, recepcionada pela Constituição de 1988, o ministro Gilmar Mendes cria um filtro político estatal que concentrou na PGR, órgão hierarquicamente dependente de nomeação do Presidente da República, o monopólio da iniciativa.


Ou seja, ministros do STF, a partir da liminar, só poderão ser denunciados se o chefe do Ministério Público da União, escolhido e demissível pelo Poder Executivo, assim o desejar.


O recado institucional é cristalino: a sociedade perdeu o direito de acusar; o Estado, não.


Esse deslocamento simbólico é devastador. Ele afasta o cidadão da arena de responsabilização republicana e reduz a accountability dos ministros a um jogo de alinhamentos entre cúpulas estatais.


É a consagração de um sistema fechado, autorreferente, internamente controlado. Um modelo que lembra mais uma monarquia judicial do que uma República constitucional.


2. Alteração do quórum constitucional: interpretação ou reescrita da Constituição?

A exigência de dois terços para a instauração do processo de impeachment, quando a Constituição exige tal quórum apenas para condenação, é uma manobra interpretativa que ultrapassa qualquer limite hermenêutico defensável.


Aqui, o STF não interpreta a Constituição; ele a refunda.


O ministro Gilmar Mendes faz o que o art. 52 da Constituição não fez.

E o que o legislador não fez.

E o que o constituinte derivado não fez.


O faz sozinho, em liminar.

Contrário ao texto.

Contrário ao sistema.

Contrário à lógica republicana.


Trata-se, com todas as letras, de produção normativa judicial.


E produção normativa que beneficia diretamente o próprio órgão julgador, um clássico caso de conflito de interesses institucionalizado, que em qualquer outro ambiente jurídico seria simplesmente impensável.

3. A liminar como instrumento de blindagem: a irresponsabilidade prática dos ministros

Combinadas, as duas medidas, exclusividade da PGR e quórum qualificado para abrir o processo, criam um cenário institucional em que ministros do STF se tornam, na prática, irresponsáveis.


• A PGR dificilmente denunciará um ministro da Corte que julga seus atos.

• O Senado dificilmente reunirá dois terços para sequer iniciar o processo.

• A sociedade perde totalmente o controle.


É a fórmula perfeita para a autoinviolabilidade. Uma espécie de cláusula pétrea judicial informal, criada por quem deveria ser controlado por ela.


Se aprovado pelo Plenário, o STF alcançará um nível de autoproteção sem precedentes, em completa ruptura com o espírito do art. 2º da Constituição e com o princípio republicano.

4. Usurpação das competências do Senado e corrosão da separação dos poderes

O Senado, que detém competência privativa para processar e julgar autoridades, teve agora não apenas sua competência limitada, mas redesenhada por decisão monocrática. Não há precedente comparável em nossa história constitucional.

A liminar:

• tolhe a autonomia do Presidente do Senado no juízo de admissibilidade;
• impõe quórum não previsto em lei nem em Constituição;
• invade esfera político-deliberativa, transformando ato político em ato jurisdicionalmente condicionado.


O STF passa a dizer como o Senado deve exercer sua função. E, pior, quantos votos precisa para fazê-lo.


É difícil imaginar violação mais frontal ao princípio da separação dos poderes.
O Judiciário, aqui, não é “poder moderador”; é poder expansivo, que avança sobre competências alheias com a segurança de quem sabe que ninguém poderá contestá-lo.

5. A crise de legitimidade: quando o guardião da Constituição altera seu próprio regime de controle


A autoridade do STF é construída, historicamente, sobre a confiança pública de que ele atua como guardião, não como beneficiário da Constituição.


Quando a Corte passa a utilizar sua jurisdição para se proteger de mecanismos de controle externos, o pacto de legitimidade se rompe. O STF começa a parecer não um árbitro, mas um jogador que altera as regras do jogo em seu próprio favor.


É o tipo de movimento que enfraquece o poder simbólico da Suprema Corte.


Ao tentar se blindar, o STF corre o risco de se expor.


Conclusão: o julgamento do plenário do STF será mais do que jurídico, é existencial.


O Plenário terá, entre os dias 12 e 19 de dezembro, a oportunidade de corrigir ou de sacramentar a mais grave intervenção judicial sobre o processo político desde 1988.


Se confirmar a liminar, o STF assumirá explicitamente o papel de poder autocrático, capaz de:

• reduzir a cidadania,

• substituir o Legislativo,

• restringir sua própria responsabilização,

• alterar unilateralmente a Constituição.


Será um ato que marcará a história, mas não como garantia da democracia, e sim como inflação judicial do poder, prenúncio de um modelo institucional em que o Supremo se torna, simultaneamente, legislador, julgador e juiz de si mesmo.


Uma República assim se sustenta por algum tempo.

Mas não sem custo.

E nunca sem consequências.



        Dylvan Castro

Consultor Jurídico e Professor

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Encerrada em 31/05/2020 11:41

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