Em sessão realizada hoje (15), o Tribunal Regional do Piauí (TRE-PI), decidiu aprovar, por maioria, proposta de Resolução de rezoneamento eleitoral no Estado do Piauí, por meio da extinção, remanejamento, renomeação e recomposição de Zonas Eleitorais. A medida ocorreu em cumprimento às Resoluções 23.422/2014 e 23.512/2017, bem como a Portaria nº 372/2017, todas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No seu parecer, o procurador Regional Eleitoral, Israel Gonçalves Santos Silva, manifestou-se pela extinção/remanejamento de Zona Eleitoral que não for sede de Comarca e pela permanência das Zonas Eleitorais sediadas em Matias Olímpio, Monsenhor Gil, Jerumenha, Campo Maior e em Parnaíba, as quais, embora não atendam na íntegra as normas do TSE, são necessárias para a eficiência e eficácia da Justiça Eleitoral.
O Presidente do TRE/PI, Des. Joaquim Dias de Santana Filho, votou pela aprovação do rezoneamento conforme a proposta apresentada pela Comissão, enquanto o Vice-Presidente deste Tribunal, Des. Edvaldo Moura, se posicionou contrário a extinção de Zonas Eleitorais. Após o debate, restou vencedor o voto-vista do juiz José Wilson Ferreira de Araújo Júnior, que, seguindo o parecer do Procurador Regional Eleitoral, considerou que o TRE-PI pode estabelecer critérios diferentes dos estabelecidos pelo TSE para proceder ao rezoneamento das zonas eleitorais no Estado.
Para o juiz José Wilson Ferreira de Araújo Júnior, os TREs são competentes para estabelecer a circunscrição das zonas eleitorais, cabendo ao TSE apenas aprová-las, argumento seguido pelos juízes eleitorais Paulo Roberto de Araújo Barros e Astrogildo Mendes de Assunção Filho.
O Tribunal decidiu por maioria, em consonância com a manifestação do Ministério Público Eleitoral, e nos termos do voto-vista do juiz José Wilson Ferreira de Araújo Júnior, que acompanhou em parte o voto do Relator, Des. Joaquim Dias de Santana Filho, aprovando: a extinção das Zonas Eleitorais pertencentes às Comarcas já agregadas e, em relação às Comarcas ainda não agregadas que as sedes de Zonas Eleitorais sejam extintas apenas após a implementação das agregações; a criação de novas Zonas Eleitorais em Picos, Oeiras, Barro Duro e Valença e; a manutenção das Zonas Eleitorais sediadas em Matias Olímpio, Monsenhor Gil, Jerumenha, Campo Maior e Parnaíba, na forma atualmente disposta.
LEIA NA INTEGRA O VOTO DIVERGENTE DO DESEMBARGADOR EDVALDO MOURA:
PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO Nº 0600049-89.2017.6.18.0000
ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO – REZONEAMENTO – RESOLUÇÃO.
Voto divergente sobre a proposta de Rezoneamento Eleitoral na Circunscrição do Estado do Piauí.
O DESEMBARGADOR EDVALDO PEREIRA DE MOURA: Senhor Presidente, tenho em mãos a Resolução regulamentadora do Rezoneamento Eleitoral propondo a extinção, o remanejamento, a renomeação e a recomposição de zonas eleitorais no âmbito da circunscrição do Estado do Piauí.
A referida proposta resultou da consolidação do relatório dos trabalhos da Comissão constituída para proceder aos estudos, objetivando a extinção e ao remanejamento das zonas eleitorais, que não atendam aos requisitos previstos nas Resoluções 23.442/2014, 23.512/2017 e 23.520/2017, do Tribunal Superior Eleitoral, e a adequação da Organização Judiciária Eleitoral ao novo desenho das comarcas da Justiça comum, reordenando, mediante agregações, nos termos das Resoluções 15/2016 e 55/2017, do nosso egrégio Tribunal de Justiça.
O eminente Presidente propõe a este colegiado a extinção de 29 (vinte e nove) zonas eleitorais, o remanejamento de 7 (sete) para outros municípios e a manutenção de 57 (cinquenta e sete), com ampliação ou redução de suas atividades jurisdicionais.
Pois bem, em que pese o laborioso e bem elaborado Relatório apresentado pela diligente Comissão, e a interessante e consistente manifestação do ilustre Presidente, que votou pela sua aprovação, peço vênia para inaugurar a divergência, por não está convencido da necessidade e da possibilidade legal das pretendidas alterações.
Eminente Presidente deste egrégio Tribunal, caríssimos colegas, dileto Procurador Eleitoral, senhor presidente da Associação dos Magistrados piauienses, senhor presidente da Associação dos membros do Ministério Público do Piauí, senhores advogados, senhora secretária, servidores e demais pessoas aqui presentes.
No curso de minha existência, tenho recebido muitas missões difíceis. Tão difíceis quanto honrosas. Missões que exigiram de mim o tirocínio das experiências diuturnas, como modesto operário do Direito. Missões difíceis e inquietadoras, como quando, sob o manto talar, por dever de ofício distribuo em minhas decisões, a tristeza ou a alegria conclusiva das demandas da cidadania. No entanto, esta de que agora me acho incumbido, excede em importância, de modo que não me ajudará, em nada, qualquer arranjo com frases ou citações avantajadas, que estivessem despidas de sentimento verdadeiro. Certamente, o que parte de mim, aqui e agora, é uma confissão sincera de quem tem pela Justiça a que serve, o respeito e a admiração que beiram as raias da idolatria.
Feitas essas ponderações, registro, com gáudio e satisfação, no preâmbulo do meu voto, por oportuno e gratificante, o respeito e a consideração que sempre nutri pelo ministro Gilmar Ferreira Mendes, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, pelo que fez e faz, como homem e como cidadão, como inigualável mestre de muitas gerações, pelo constitucionalista emérito, que tanto nos orgulha, pela coragem cívica e pela competência que tem demonstrado em seus emblemáticos votos, como uma das maiores expressões do egrégio Supremo Tribunal Federal.
Isso não me tira a obrigação inafastável de não concordar com eventual medida ou decisão, adotada por sua excelência, que entenda não condizente, com todas as vênias, com os supremos interesses da Justiça a que servimos.
Há alguns anos, cheguei ao Tribunal de Justiça do Piauí, trazido pelas mãos insondáveis e abençoadas do destino, sem compromisso com o acaso, porque há mais de 30 anos havia começado a minha peregrinação, rumo ao lugar em que hoje me encontro. Foram mais de 13 mil dias e noites de alegrias, de tristezas, de dificuldades, de provações, de derrotas, de vitórias e de decepções, que tanto fortaleceram o meu espírito e a crença em que tudo vale a pena, quando se faz da vida uma busca incessante dos ideais superiores, ou como disse o poeta, “se a alma não é pequena”.
Mas, no entanto, prezadíssimos pares, o pior momento da história da humanidade, não é a vivência de um governo absoluto e autoritário. O pior instante que se pode atravessar no nosso dia a dia é a vivência pacífica e ilusória de uma democracia sem vez nem voz, sem mérito nem conteúdo ou, no dizer de José Ingenieros, de uma mediocracia. “Quando a tirania da atmosfera é absoluta: nivelar-se ou sucumbir. A Regra conhece poucas expressões na história. As mediocracias negarão sempre as virtudes, as belezas, as grandezas; deram veneno a Sócrates, o lenho de madeira a Cristo, o punhal a César, o desterro a Dante, o cárcere a Galileu, o fogo a Bruno; e enquanto escarneciam desses homens exemplares, esmagando-os com a sua sanha ou armando contra eles algum braço enlouquecido, ofereciam sua servidão a governantes imbecis ou punham seu ombro para sustentar as mais torpes tiranias. A um preço: que estas garantissem às classes altas, a tranquilidade necessária para usufruir seus privilégios”.Estou certo de que, Senhor Presidente, em um Estado Democrático de Direito, uma das conquistas individuais mais importantes, ao contrário do que, a priori, se possa imaginar, não é só o direito de ir e vir e o direito à vida. O momento que exprime a essência do livre exercício da liberdade é o ensejo, sem atavios autoritários de dizer, com responsabilidade, o que queremos, embora em muitas circunstâncias, haja os que não gostem, nem nos agrade ouvir a resposta oferecida por quem se sinta atingido pelo que se disse. A liberdade de expressão é até mais importante, no meu sentir, do que o direito de ir, vir e outros, porque nos estados totalitários, onde as pessoas vagam como mortos e vivos, dizer o que não agrada ao sistema estabelecido é tido como insulto e por isso se pode pagar com a própria vida ou com um aposento no interior de uma prisão.
Graças a Deus, senhor Presidente e valorosos colegas, este não é o nosso caso. E é nessa crença e sob os postulados de uma democracia sã e verdadeira, honra e tradição desta Casa, que agora venho tecer algumas considerações sobre este ato normativo, no momento submetido ao juízo de nossa preclara Corte de Justiça Eleitoral.
Como sabemos, estamos adstritos às normas que constituem o Estado Democrático de Direito, e que, por ser assim, todas as regras que o regem devem respeito à lei, mas não a qualquer lei.
Devemos, pois, como frisado, obediência à lei, cujo conteúdo esteja valorado de acordo com a Constituição e temos por obrigação afastar a lei materialmente contrária aos direitos e garantias fundamentais, impostos pela força normativa constitucional que, somente assim, podemos afirmar que nosso Estado é formal e materialmente democrático.
O caso sub judice nos traz peculiaridade a merecer cuidado e atenção, qual seja: ao aprovar ou rejeitar a questionada Resolução estaremos desempenhando, ao mesmo tempo, as três funções estatais – a administrativa, a legislativa e a judiciária. Cuida-se de gestão de pessoas na organização judiciária. Gestão administrativa, que se quer feita por um ato legislativo (Resolução), que deve sofrer, por fim, a filtragem constitucional, como processo obrigatório de sua aprovação (função típica).
A interpretação e aplicação da norma constitucional é direito e dever de todos nós, como nos faz lembrar Peter Häberle.
O certo é que nós juízes devemos ater-nos ao que nos legitima como único dos três poderes em que os seus integrantes não são eleitos pelo povo. Explicitando: a democracia é formal e, também, material. Na primeira, a legitimidade é política, com raízes na vontade da maioria. Na democracia material, a legitimidade é constitucional, fazendo com que o Judiciário atue em nome do povo e não em nome da maioria. Quando preciso for, deve o Judiciário tutelar a minoria da maioria. E mais: sua legitimidade encontra-se na tutela das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos. Qualquer outra tutela lhe é estranha! Assim, para a necessária independência do julgador, e para a imparcialidade que lhe é inerente, os interesses na comodidade de classes privilegiadas e as necessidades econômicas típicas do mercado, não podem por ele ser tutelados, sob o risco de estar agindo de forma ilegítima.
Na sua função de garante,portanto, deve o Judiciário fazer a filtragem constitucional de toda e qualquer norma, no seu dever de controle difuso de sua constitucionalidade.
Depois deste rapidíssimo introito, apresento aos ilustres colegas algumas considerações sobre a Resolução TSE 23.520/2017, que pretende extinguir ou fazer o rezoneamento de 900 zonas eleitorais, a fim de que, juntos, possamos alcançar a melhor solução, que represente os interesses maiores da democracia. Apenas para facilitar o meu próprio raciocínio, tratarei das considerações por tópicos.
QUANTO À ECONOMIA FINANCEIRA, EFICIÊNCIA E ECONOMICIDADE PRETENDIDAS PELA RESOLUÇÃO.
Ainda que, de fato, não se tenha demonstrado, em números, qualquer economia financeira com a extinção ou rezoneamentos dessas zonas, a primeira justificativa trazida pela referida Resolução, parece-me constituir, data venia, insuperável paradoxo. Refiro-me ao seguinte texto:
“Considerando que, nos termos do art. 37 da Constituição da República, a Administração Pública tem de obedecer, entre outros, ao princípio da eficiência,que preconiza o atendimento das necessidades dos cidadãos com a maior presteza e economicidade possível, pela Administração Pública, no desempenho de suas funções”.
A margem oferecida pela hermenêutica constitucional, para compreensão do conteúdo de um princípio, tem seus limites, porque “não se pode dizer qualquer coisa, sobre qualquer coisa” (em jargão precioso de Lênio Luiz Streck). Quando a Constituição traz, como princípio, a “eficiência”, refere-se ao bom serviço público PARA O ADMINISTRADO. Inclusive, a própria Constituição explica que a eficiência refere-se ao atendimento “DAS NECESSIDADES DOS CIDADÃOS”, com presteza e economicidade. Veja-se que “eficiência”, “presteza” e “economicidade”, são direitos que possuem todos os administrados, no que se refere à prestação de serviço público. Por todo o evidente que tais direitos são de todas as pessoas e não de algumas, em detrimento de outras.
No entanto, parece-me que a extinção ou o rezoneamento de zonas, tal como está acontecendo, fere, justamente, a finalidade trazida como justificadora deste hostilizado ato administrativo. Primeiramente, acredito que aqui não discordamos sobre o prejuízo trazido para as zonas eleitorais que sejam extintas, como mostrarei adiante. Diante do prejuízo para alguns cidadãos, sob a aparente justificativa de servir melhor a outros, fica claro que a “economicidade”, que move este ato administrativo, está amparando AS NECESSIDADES DA ADMINISTRAÇÃO. Ocorre que os princípios do art. 37 da Carta Cidadã constituem tutela do ADMINISTRADO. A Administração, na prestação de serviços públicos, não pode fazê-lo de qualquer modo: o administrado tem direito a um serviço público eficiente, prestado com rapidez e racionalidade. Não fosse assim, estaríamos invertendo o próprio fundamento dos direitos fundamentais, que nasceram como limite à atuação do ente estatal. Dizendo de outro modo: o dever de prestação de serviços públicos não é um dever efetivado, de qualquer modo e a qualquer tempo. Especificamente, no que diz respeito à função jurisdicional, essa deve garantir a “tutela efetiva”, como diz Marinoni. E uma tutela que seja “efetiva”, não é “qualquer tutela”.
A tutela há de ser eficiente, rápida e com o menor dispêndio de forças POR PARTE DO ADMINISTRADO. A isso a Constituição dá o nome de princípios da eficiência, da celeridade e da economicidade. A “economia”nada tem a ver com menos gastos por parte da administração pública. Se compreendermos de outro modo tais princípios constitucionais, estaríamos diante de conceito mercadológico, ligado ao lucro, à iniciativa privada e à competitividade, que não se pode coadunar com a prestação imprescindível do serviço jurisdicional. Lembro ainda que o art. 37, da Carta da República, encontra-se no Título III, denominado “Da Organização do Estado”, e que os princípios da ordem econômica, acham-se no Título VII, chamado “Da Ordem Econômica e Financeira”. São 133 artigos separando os princípios da Administração Pública, dos princípios da Ordem Econômica. A Constituição de Ulisses quis deixar claro que tais princípios não se confundem: enquanto uns tutelam interesses da livre iniciativa, os outros protegem interesses do administrado. Não sendo assim, poderíamos privatizar os serviços públicos essenciais. Eles são essenciais, justamente, porque devem ser prestados de modo diverso da lógica do mercado, porque sua essencialidade liga-se às necessidades dos cidadãos, e não às necessidades secundárias da Administração Pública. Isso se dá justamente porque os direitos fundamentais são patrimônio dos indivíduos. Não existem direitos fundamentais da Administração Pública, são dados a ela “deveres fundamentais”, como é do conhecimento de todos nós.
Se estamos, de fato, diante de direitos do cidadão a tais prestações condizentes com a sua dignidade, por evidente que tais serviços públicos devem ser adequados a todos eles, sem qualquer distinção, salvo aquela necessária para garantir a própria igualdade, quando os indivíduos estão desigualados por razões sociais, econômicas ou culturais.
QUANTO À IGUALDADE
Por todas as reflexões, que tenho feito, sobre esse ato administrativo aqui em exame, a que mais me aflige é a flagrante ofensa, a meu ver, com todas as vênias, ao princípio da igualdade. Ainda que olhemos a questão de vários ângulos, todos parecem levar à tremenda injustiça aos cidadãos humildes dessas zonas com menor número de eleitores, sempre tratados de forma negligente, pela afrontosa omissão estatal. Vejamos calmamente:
A igualdade FORMAL garante a todos, indistintamente, o mesmo direito. Assim, os moradores de determinada zona eleitoral possuem o mesmo direito à jurisdição, quanto os moradores de qualquer outra zona. Exatamente por conta disso, existem várias zonas eleitorais no Estado do Piauí, com os seus respectivos juízes eleitorais, a fim de que eles possam efetivamente oferecer aos cidadãos, o mesmo tratamento jurisdicional de que dispõe qualquer outra unidade eleitoral. Neste ponto de implementação da igualdade perante a lei, penso que todos nós vislumbramos, aqui, o inegável “retrocesso” na pretensão desta normativa, data vênia.
No concernente à igualdade MATERIAL, também aí nos defrontamos com a invalidade de tal Resolução, permissa vênia. Peguemos, como exemplo, a extinção das zonas eleitorais de Caracol, de Jerumenha, de São Gonçalo e outras, a serem substituídas por São Raimundo Nonato, Guadalupe, etc.. A demanda da Zona Eleitoral de São Raimundo é bem maior do que a de Caracol. E por que então deverá aquela pequena zona ter como um de seus moradores um juiz eleitoral? Justamente porque ela é menor e possui especificidades estranhas à sua vizinha: os homens e mulheres, que ali moram, possuem referencial cultural próprio. O homem simples de Caracol, não seguirá para São Raimundo Nonato, procurando a tutela de seus direitos, mas permanecerá resignado, mudo em sua opressão, descrente da Justiça que se esconde para não lhe proteger. Disso sabe qualquer um que olhe os homens do interior de nosso Estado. Por cima da “toga”, da “linguagem”, dos “rituais”, dos “templos”, a sacralização do judiciário para com o homem simples do interior é ainda maior: segue a “desconfiança” para com o homem de letras e códigos, que veio da cidade, com outra linguagem, com indumentária diferente e que desconhece os problemas daquela coletividade. O juiz eleitoral de Caracol, há de ser visto pelos homens, mulheres e crianças na padaria, na farmácia, na feira da praça, no clube da cidade, ou em qualquer outro lugar. A esse homem, agora humanizado e não mais sacralizado, as pessoas de Caracol irão procurar. Caminhemos rumo à “humanização da justiça”, como quer Jean Carbonnier, a fim de que seja a justiça “mais íntima e menos intimidante”, como, infelizmente, ainda continua acontecendo neste Brasil de muitas leis e de pouca Justiça.
Se este argumento parecer frágil aos eminentes colegas, trago o conceito de “juiz social”, concebido pelo Conselho Nacional de Justiça, que defende a figura de um juiz múltiplo, capaz de criar ou refazer um referencial de justiça, para aquela comunidade em que presta as suas atividades jurisdicionais. Com este fundamento, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela validade da atuação, de ofício, de um juiz paulista, que forçara a criação, pelo município, de duas vagas na rede de ensino público para duas crianças em situação de risco, como se vê no RMS 36949. Atuação de ofício, SEM QUALQUER PROVOCAÇÃO, SEM PROCESSO, fazendo do juiz um ator da efetivação dos direitos fundamentais, sob os argumentos do “poder geral de cautela do Juiz de Menores”, que de “há muito deixou de ser um conviva de pedra no processo”. Pergunto aos diletos julgadores: como esse juiz, do Município de Taboão da Serra, interior de São Paulo, tomou conhecimento, por si mesmo, das necessidades destas duas crianças? Não podemos deixar de concordar que era preciso seu contato imediato e íntimo com a comunidade, ao ponto de, na falta de um Defensor Público na cidade, ou mesmo da adequada assistência social, algum cidadão para comunicar ao juiz sobre os maus tratos, exploração sexual ou riscos que corriam aquelas crianças. De outro modo, a tutela não teria ocorrido. O Superior Tribunal de Justiça confirmou a postura do corajoso juiz paulista e antecipou o conceito de “JUIZ SOCIAL”, determinado, POSTERIORMENTE, pelo Conselho Nacional de Justiça.
De fato, a igualdade material, para com os cidadãos das pequenas zonas eleitorais, encontra-se exatamente na consolidação da figura do juiz eleitoral. São merecedores de um juiz eleitoral, ainda que sua demanda seja menor, que a da zona eleitoral vizinha, exatamente porque estão a construir sua cultura de tutela de direitos, de serem reconhecidos como cidadãos, de compreenderem o papel da jurisdição, como instrumento de que podem se valer. O distanciamento impresso na extinção de zonas eleitorais, como se pretende, no meu entendimento, gera inevitável retrocesso neste caminhar e fere de morte a Constituição coragem do senhor Diretas.
Estamos tratando, de fato, desigualmente aqueles efetivamente desiguais. No entanto, ao invés de implementarmos instrumentos que suavizem a desigualdade, estamos atrás de brocas para aprofundar estas diferenças e desigualdades. Não podemos, em tempos difíceis, sacrificar os mais fracos, os hipossuficientes, os mais desprotegidos. Ao contrário, é preciso que lembremos que são eles, os débeis, que precisam ainda mais de nós, nesses tempose necessitam contar conosco, em face das ostensivas ofensas aos direitos fundamentais mais básicos de que são destinatários.
Por fim e não menos importante, é necessário que nos lembremos de que qualquer diminuição legítima no âmbito dos direitos fundamentais há de se fazer por restrição que seja, a um só tempo, GENÉRICA E ABSTRATA. Ocorre que a restrição, que aqui se propõe, não é genérica nem abstrata! De todo o contrário. É CONCRETA, porque pretende DESFAZER ZONAS JÁ CRIADAS E INSTALADAS; é DETERMINADA, porque sacrifica algumas pessoas em detrimento de outras, ou seja, as MAIS HUMILDES, AS MAIS DISTANTES DO AMPARO GOVERNAMENTAL, AS MAIS CARENTES, AS MAIS NECESSITADAS.
Com todo o respeito, o que esta Resolução faz, realmente, é desmontar a Justiça Eleitoral, mesmo que os seus idealizadores estejam movidos pela melhor das intenções, quando deveriam pensar em ampliar as ações da Justiça, criando, se possível, em todas os municípios, serviços de tal natureza, para atender a crescente demanda cível e criminal de que se tem notícia e os serviços eleitorais ali existentes.
Ferir a igualdade é desconsiderar o mais importante pilar da democracia, sua finalidade, que é, ao mesmo tempo, o seu próprio fundamento.
A SEGURANÇA JURÍDICA SUBJETIVAMENTE CONSIDERADA
A comunidade precisa de juiz eleitoral, até para ajudar na luta indormida pelo voto consciente, pela elevação do nível de consciência crítica e de educação política do eleitor. A presença física do juiz possibilita a do promotor eleitoral e de uma série de apoio técnico e humano significantes, que ajudarão ao cidadão na solução de seus problemas. Não consigo alcançar a finalidade da pretendida extinção de zonas eleitorais, na medida em que fere a própria função jurisdicional, direito de todos que deve ser garantido de modo expansivo, jamais regressivo. Afinal, trata-se de “AMPLO” acesso à jurisdição eleitoral.
Assim, quando se garante a INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, refere-se ao AMPLO ACESSO à Justiça. Esse acesso é tão somente garantido com a presença FÍSICA dos seus atores institucionais.
Ainda quero lembrar-lhes que a presença do juiz eleitoral na cidade tem importância significante para a própria democracia representativa, como me parece óbvio.
Além dessa contradição lógica, penso que a Resolução ofende, também, um dos princípios da cabeça do art. 5º da Constituição da República. A segurança jurídica, no seu aspecto objetivo, cuida da previsibilidade e da estabilidade das relações jurídicas e sociais. Segurança jurídica, na dimensão subjetiva, é o próprio Princípio da Proteção da Confiança. A Administração Pública, ao criar expectativas em seus administrados, não pode ferir a boa-fé e agir contrariamente, frustrando tal expectativa. Chama-se Dever de Não Contradição. Esse foi o sentido dado pelo Supremo Tribunal Federal para “segurança jurídica”, qual seja “A BOA-FÉ E A PROTEÇÃO DA CONFIANÇA, COMO PROJEÇÕES ESPECÍFICAS DO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA” (MS 27006 AgR/DF).
Apenas para evitar qualquer mal-entendido a esse respeito, falo dos deveres da Administração porque entendo que a Resolução, ora analisada, possui natureza de ato administrativo, emitido pelo Poder Judiciário na sua função atípica de auto-organização. Daí porque se deve ater aos princípios vinculantes a todo e qualquer ato administrativo.
Parece-me que quando falamos em vedação de frustrar as expectativas legitimamente criadas pela Administração do Judiciário, estamos novamente proibindo o retrocesso na árdua caminhada, rumo à efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Por tudo que expus neste capítulo, percebo que a presente normativa não subsiste à simples análise do Princípio da Segurança Jurídica, no seu aspecto subjetivo.
A VEDAÇÃO AO RETROCESSO
Acho que depois do pensamento encontrar várias vezes a preocupação com o “retrocesso”, seja hora de dele cuidar com mais zelo e de forma mais detida. Existe de fato o Princípio da Vedação ao Retrocesso?
De modo simples e buscando amparo direto nos primeiros artigos de nossa Constituição, encontro argumento lógico para resposta afirmativa. O art. 1º quando traz os Fundamentos da República Federativa do Brasil nos oferece o ponto de partida de toda e qualquer decisão tomada em nosso país. Já no art. 3º, ao nos impor objetivos a serem perseguidos, nos obriga a um ponto de chegada. Veja-se que há um caminho a percorrer na efetivação das garantias e direitos fundamentais, e qualquer passo para trás nesse caminho significa DESEFETIVAÇÃO de tais garantias e direitos. Os objetivos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil obrigam o Estado a implementar estas “cláusulas de transformação social”, como são chamados os objetivos fundamentais.
A analisada Resolução merece nossa cautela pelo risco de vulnerar a GARATIA À INAFASTABILIDADE DA JURISIÇÃO. Como se trata de direito fundamental individual, acredito que qualquer restrição a ela estará a ferir, inclusive, o limite das cláusulas pétreas, inseridas no texto constitucional.
No intuito de dividir, com os colegas minha preocupação de não estarmos consolidando, com tal Resolução, o risco da “AFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO”, socorro-me aqui da doutrina e da jurisprudência.
Antônio Augusto Cançado Trindade, brasileiro, ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e juiz da Corte Internacional de Justiça, com a maior votação de sua história, há anos luta pela aplicabilidade e eficácia da Convenção Americana de Direitos Humanos no território brasileiro, referindo-se à obrigação que tem todo juiz de fazer um “controle de convencionalidade”. Ou seja, toda e qualquer norma deve ser válida diante do filtro da Constituição de 1988, como também diante do filtro da Convenção Americana de Direitos Humanos. Na ADPF 347, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicabilidade imediata da Convenção e sua força derrogatória de normas que lhes sejam contrárias, ao declarar o Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Penitenciário Brasileiro. Assim declarou o Min. Marco Aurélio:
“Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.”
Com esses esclarecimentos, podemos demarcar uma certeza: os princípios formalizados na Convenção Americana de Direitos Humanos possuem status de princípios constitucionais. Podemos assim entender como decorrência do parágrafo segundo, do art. 5º, da Constituição, que cuidou da fundamentalização material dos direitos, através da fundamentalização formal, como também podemos chegar à mesma conclusão, pelo julgamento da ADPF 347.
Então resta-nos perquirir se o Princípio da Vedação ao Retrocesso está formalizado na Convenção Americana de Direitos Humanos. E a resposta é positiva! A Convenção Americana sobre Direitos Humanos assegura, em seu Artigo 26: “Desenvolvimento progressivo. Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir, progressivamente, a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.
Ainda encontramos o princípio da vedação ao retrocesso, talvez de modo mais explícito, no Protocolo de São Salvador, em seu artigo 4º: “Não se poderá restringir ou limitar qualquer dos direitos reconhecidos ou vigentes num Estado, em virtude de sua legislação interna, ou de convenções internacionais, sob pretexto de que este Protocolo não os reconhece ou os reconhece em menor grau”.
Assim, chegamos à conclusão de que, normativamente, existe e deve ser imediatamente aplicado, o princípio da vedação ao retrocesso.
Na doutrina irreparável de INGO WOLFGANG SARLET, a proibição do retrocesso vincula-se diretamente à segurança jurídica, princípio alertado no capítulo anterior. Para finalizar a análise do princípio, trago voto paradigmático do Ministro Celso de Mello:
“Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário. (...) O magistério de CANOTILHO estimula as seguintes reflexões: ‘O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contrarrevolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. (...) A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos, em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social.’
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado, em sede de direitos fundamentais, no sentido de criar certas instituições ou serviços, não o obrigam, apenas, a criá-los, mas, também, a não aboli-los uma vez criados”.Publicado em 02/12/2014, AgReg no RE com Ag n.º 745.745, Relator MIN. CELSO DE MELLO.
A JURISDIÇÃO COMO DIREITO A TER DIREITOS
No tópico imediatamente anterior, ao cuidarmos da Vedação ao Retrocesso, ficou claro a posição desse princípio em relação aos DIREITOS SOCIAIS. A pergunta que nos fica neste momento é: esse princípio vale também para a garantia da inafastabilidade da Jurisdição?
Em primeiro lugar, cabe lembrarmos que o marco teórico do neoconstitucionalismo consubstancia-se na força normativa da constituição, na expansão da jurisdição e na hermenêutica constitucional. Quer-se dizer que o judiciário brasileiro assumiu para si a responsabilidade da dimensão política da jurisdição constitucional, trazendo o dever de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais dos cidadãos. Ou seja, quando se fala de vedação ao retrocesso, quanto aos direitos sociais, vincula-se a efetividade de tais direitos à efetiva atuação do poder judiciário. É o poder judiciário que, presente e atuante na comarca ou zona eleitoral, poderá implementar os direitos fundamentais dos cidadãos.
A “afastabilidade da jurisdição” a que estamos nos arriscando, com esta Resolução tem por consequência a “afastabilidade da eficácia de todos os direitos fundamentais”. Portanto, a vedação ao retrocesso, no que diz respeito à garantia da jurisdição, é mesmo ANTECEDENTE em relação à proibição de retrocesso de qualquer outro direito. E sem uma jurisdição efetiva e próxima não se pode falar na concretização de qualquer direito ou garantia fundamental.
A jurisdição é garantia, é “direito a ter direitos”, na famosa frase de Hannah Arendt.
EXISTE NO CASO PONDERAÇÃO DE VALORES?
Penso que o argumento para a tentativa de extinção de zonas eleitorais seja a eficiência na prestação do serviço jurisdicional. No primeiro de nossos tópicos esclarecemos que tal princípio é do jurisdicionado e que no caso devemos nos perguntar: eficiência para quem? Eficiência na jurisdição de São Raimundo Nonato e ineficiência na jurisdição de Caracol?
Dando continuidade aos meus argumentos, penso que, verdadeiramente, não estamos diante de qualquer ponderação. Simplesmente não há sequer colisão de valores neste caso, no meu sentir, data vênia.
No entanto, ainda que queiramos argumentar pela colisão de princípios, teremos os seguintes valores a ponderar: direito à jurisdição próxima e efetiva dos jurisdicionados das zonas eleitorais, que se pretende extinguir e direito à efetividade da jurisdição das zonas eleitorais que permanecerão. Veremos a seguir que pela REGRA DA PROPORCIONALIDADE a proposta de rezoneamento TAMBÉM não se sustenta.
Gustavo Badaró lembra-nos que além dos requisitos de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, quando estamos diante da regra da proporcionalidade, é preciso que nos atenhamos a dois pressupostos. O primeiro é teleológico: se teremos a restrição a um direito fundamental, é preciso que com isso, queiramos alcançar alguma finalidade constitucionalmente valorada. Agora chegou a hora de perguntarmos com sinceridade, a finalidade pretendida na Resolução é apenas aquela movida por interesses na comodidade de nossos Juízes? Será que não é a hora de admitirmos que o móvel de um magistrado é sua vocação como servidor público e não o salário e a estabilidade? Na missão de servir ao público, muito engrandece a humanidade, como sabemos, ver um juiz morar no interior de seu Estado, onde os frágeis nada conhecem da justiça estatal.
Entendo assim, que não está preenchido o primeiro dos pressupostos da REGRA DA PROPORCIONALIDADE, qual seja, o elemento teleológico.
Em segundo lugar, Badaró afirma que para se limitar um direito fundamental pela ponderação, é preciso que esteja tal RESTRIÇÃO PREVISTA FORMALMENTE NA LEI, o que não acontece.
Penso que, em face do que foi exposto, estamos diante de atos normativos flagrantemente inconstitucionais. As normas paradigmáticas, para tal declaração, espalham-se tanto na Constituição da República Federativa do Brasil, como na Convenção Americana de Direitos Humanos.
Assim, faltar-lhe-á, também, o pressuposto formal da regra da proporcionalidade, que não admite qualquer restrição a direitos e garantias fundamentais de nenhum piauiense, operada pela Resolução aqui analisada.
Não é muito falar que a dignidade afasta qualquer instrumentalização do ser humano. O homem não pode ser coisificado para que se alcance a economia financeira da administração pública. Há muitos outros caminhos para a racionalidade da administração da justiça, muito menos gravosos para os jurisdicionados das zonas eleitorais que se pretende extinguir ou rezonear, por descaracterizada aproporcionalidade.
Ainda quanto à suposta proporcionalidade, mesmo para aqueles que admitem restrição aos direitos fundamentais, tal restrição tem seus limites: é a Teoria dos Limites dos Limites, para a qual existe parcela inabolível nos direitos e garantias fundamentais e, quanto a tal parcela, qualquer norma que lhe regulamente, poderá, apenas, aumentar o âmbito da garantia, jamais ultrapassar esse limite para a restrição.
Por esta razão é que dentro de qualquer processo legislativo é dado àqueles que dele participam o direito de exigir o cumprimento das regras do devido processo legal, ainda que o façam por meio de Mandado de Segurança. A ofensa ao núcleo essencial da garantia à jurisdição enseja o uso de todo e qualquer instrumento de salvaguarda desse núcleo. Entendemos aqui, que o núcleo essencial da garantia da jurisdição é sua INAFASTABILIDADE, cuja implementação se iniciara com a previsão legislativa de juízes titulares em várias zonas e cuja efetivação encontra-se ameaçada de retrocesso, em face da Resolução hoje discutida.
Trago, ainda, em abono do que venho sustentando, interessante julgamento do Tribunal Constitucional Português “Acórdão nº 39/84”, vazado, em síntese, nos seguintes termos:
“Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção. Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa – a criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica –, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) A liberdade de conformação do legislador e inerente auto reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.”
A LEGITIMIDADE NA ABERTURA DEMOCRÁTICA
Peter Häberle, Jürgen Habermas e tantos outros que tentam encontrar a garantia da democracia, alertam para a importância do procedimento legitimador de todo e qualquer ato estatal. Como estamos diante de ato legislativo que pode configurar restrição a direitos fundamentais de milhares de cidadãos, BASTA A DÚVIDA NA SUA LEGITIMIDADE, para que sua aprovação não se dê de forma imediata.
Toda e qualquer decisão pública desse calibre deve ser precedida do mais amplo debate público. No entanto, caros colegas, estamos diante de Resolução que pode nos obrigar futuramente a responder perante milhares de jurisdicionados e que não foi sequer discutida em AUDIÊNCIA PÚBLICA.
É necessário que reconheçamos: Questão importante não foi observada pela Resolução do egrégio Superior Tribunal Eleitoral. O que se fazer com as zonas eleitorais das comarcas agregadas de alguns estados, cuja extinção foi recomendada?
No Piauí, mais de 3 dezenas de zonas eleitorais deveriam ser extintas, por questão de economia. Na minha gestão, o Tribunal Regional Eleitoral se insurgiu contra essa recomendação mas realizou audiência pública e elas permanecem. Não aceitou essa recomendação, não por indisciplina, mas por entender que para os seus propósitos de elevar o nível de consciência crítica do eleitor, através do hoje conhecido “Tribunal Cidadão”, a permanente presença do Juiz era absolutamente indispensável. Sem ela a legitimidade do processo seria conspurcada, dificultando, assim, a efetivação da democracia representativa e aumentando o grau de endividamento do eleitor com as lideranças políticas e candidatos, quando precisassem da Justiça Eleitoral, a quem mendigariam favores com transporte e alimentação.
Como entendo que a Resolução, ao invés de resolver, cria dificuldades e afronta a Constituição Federal em vigor, tal qual demonstrado, com todas as vênias e respeitando as posições contrárias, voto pela REJEIÇÃO DA PROPOSTA DE REZONEAMENTO, NO ÂMBITO DO ESTADO DO PIAUÍ, preservando, na sua integralidade, as suas zonas eleitorais já instaladas e que se acham prestando inestimável serviço ao eleitorado e à democracia representativa.
É como voto.
FONTE: Redação